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O Snoopy é jazz!

Publicado em 25/10/2020 Editoria: Cultura Comente!


Acervo pessoal do autor.

Acervo pessoal do autor.

 O Snoopy é jazz!

 

Primeiramente, a foto de olhos arregalados não tem o objetivo de te assustar (risos). Tenho muita estima pela obra em minha mãos e desejo compartilhar com você as riquezas contidas nela de maneira leve e divertida.

Muitos desenhos, filmes, séries, entre outros formatos têm na sua trilha sonora composições jazzísticas. Quando o assunto é o Snoopy, o beagle de estimação do personagem Charlie Brown, criado por Charles Monroe Schulz, o jazz é elemento principal em quase toda a trilha sonora da obra. No meu acervo de discos eu tenho um valioso álbum intitulado Joe Cool´s Blues, do trompetista Wynton Learson Marsalis, gravado em 1994 e lançado no ano seguinte, com um time de jazzistas que fizeram história, inclusive contando com a participação do seu pai, o pianista Ellis Louis Marsalis Jr. 

Link para você ouvir o álbum: spotify:album:4GmtCBT9EtoxkXH5jdvgh0

Joe Cool´s Blues é praticamente dividido por composições do próprio Wynton Learson Marsalis e do famoso pianista Vincent Anthony Guaraldi, que era o compositor da franquia de histórias em quadrinhos Peanuts, do escritor Charles Monroe Schulz. O Snoopy é um dos vários personagens, que fazem parte de um círculo social de crianças, cada uma com as suas peculiaridades, problemas, manias, etc. O que é interessante ressaltar, especificamente sobre o conjunto da obra – quadrinhos versus trilha sonora – é uma ferramenta de composição chamada Leitmotiv, advinda do período romântico, no século XIX, criada pelo compositor alemão Wilhelm Richard Wagner.

Leitmotiv

Traduzindo do alemão, Leitmotiv significa motivo condutor. É uma ferramenta composicional usada para identificar musicalmente um personagem de um determinado enredo, seja ele de um filme, série, desenho, ópera, novela, entre outros. O uso desta técnica mostra que além do jazz, a série de histórias em quadrinhos da Peanuts, como muitas outras, faz uso da música erudita, como se fosse uma espécie de fusão. Um bom exemplo disso é o personagem apaixonado pelo Ludwig van Beethoven, com seu pianinho de brinquedo, chamado Schroeder.

Link: https://www.youtube.com/watch?v=aVLB2Y4iOdA

Também temos o personagem Woodstock, um passarinho amarelo que não fala, amigo do Snoopy, que quando aparece, geralmente toca uma músico composta por Vincent Anthony Guaraldi, (faixa número 11 do álbum Joe Cool´s Blues), intitulada Little Birdie. Um tema de jazz fanqueado, que no álbum é cantado pela diva do jazz Germaine Bazzle, mas muitas vezes nos desenhos, a melodia é feita por algum instrumento melódico. Por fim, toda vez que toca a música, você reconhece o personagem respectivo.

Segue um exemplo do Snoopy e o Woodstock interagindo. Perceba o jazz fanqueado, leitmotiv do passarinho:

Link:http://https://www.youtube.com/watch?v=Diaw5ccq--Y

Affektenlehre

Outro aspecto bastante interessante, quando o assunto é trilha sonora, é a Teoria/doutrina dos Afetos, conhecida como Affektenlehre. É uma teoria construída no período barroco – final do século XVI e meados do século XVIII – que disponibiliza de recursos composicionais para despertar emoções e sensações nos ouvintes. O jazz, nos temas, improvisos, entre outros, procura o mesmo objetivo. Determinadas escalas, arpejos, ritmos, sonoridades, podem despertar sensações e emoções semânticas nos ouvintes, recurso muito usado na confecção de trilhas sonoras. 

No álbum Joe Cool´s Blues, na faixa seis, intitulada Wright Brothers Rag, composta por Wynton Learson Marsalis, há uma atmosfera New Orleans, produzida pelos instrumentos de sopro, timbres da bateria, escalas e improvisos. Mesmo que o tema não é encontrado nos desenhos da franquia Peanuts, a obra sugere no ouvinte uma cena ou situação de lentidão, algo solto, atrapalhado, mesmo que o improviso do sax e do trombone tenha uma atmosfera Bebop, ainda sim, a Affektenlehre da música lembra o Snoopy cansado, indisposto, indiferente.

Já na faixa dois do álbum, intitulada Buggy Ride, também composta por Wynton Learson Marsalis, ouvimos um jazz rápido, virtuoso, ritmicamente (quebrado), dando uma sensação de pressa, corrida, alguém escapando de algo, lembra um trem em alta velocidade, enfim, a Affektenlehre te dá a sensação musical do enredo.

Wynton Learson Marsalis diz no encarte do álbum: "Quando eu era garoto, a única chance de ouvir jazz na televisão era quando Charlie Brown aparecia (...) Sempre gostei do sentimento que a música carregava para o desenho animado".

Ouça o álbum! Conte para a gente o que achou! Boa apreciação e até jazz!

-Errata

No dia 11 de outubro, publicamos no Portal Floripa News a terceira edição da coluna Clube do Jazz, intitulada: Jazz! Americano! Europeu! Lá, nós mostramos uma curiosidade sobre o guitarrista Django Reinhardt. Veja:

“Em novembro de 1928, Reinhardt sofre um grave acidente tendo a sua mão esquerda mutilada em um incêndio em sua própria casa. Ele perdeu os dois dedos – anular e mindinho – e o polegar ficou inutilizado. O que é surpreendente, pois Django desenvolveu uma técnica de tocar somente com dois dedos mudando o destino de abandonar a música. É um exemplo incrível! Confere esse vídeo que mostra exatamente a solução impressionante que ele desenvolveu”:

Link:http://https://www.youtube.com/watch?v=aZ308aOOX04

Há alguns dias, recebemos uma mensagem no nosso instagram (@clubedojazzsc) do músico Fernando Campos Caramori nos dando uma outra versão da história:

“É sempre bom encontrar olhares de reconhecimento e pesquisa sobre o Django e a música Manouche. Gostaria de dizer que os outros dedos de Django não ficaram inutilizados, ele os usava sim para tocar. O anelar e mindinho eram utilizados para tocar acordes, assim como o polegar, e algumas partes de improvisos, como pode ser observado neste vídeo - talvez o único de Django em que imagem e áudio estão sincronizados:

Link: https://www.youtube.com/watch?v=ANArGmr74u4

Até hoje os musicistas Manouche e os que seguem a cultura, utilizam da maneira "a la Django" de tocar, tanto na formação dos acordes, quanto na utilização dos 2 dedos para improvisar”. Diz o Fernando Campos Caramori.

Agradecemos a sua contribuição valiosa! A nossa coluna serve exatamente para isso: promover a informação, discussão, apreciação e fomento da arte jazzística.

Referências:

 

Carlos Schrubbe

Colunista

Carlos Schrubbe é Professor e pesquisador na área de Música. Formado pela Universidade Regional de Blumenau (FURB), é diretor executivo do Vila EnCantos Produções e ativista cultural em Blumenau, Santa Catarina. Foi diretor de cultura da Fundação Cultural de Blumenau de 2014 a 2016. Schrubbe iniciou os estudos de violão aos seis anos de idade, trabalhou por dois anos como professor na Escola de Música do Teatro Carlos Gomes. Foi professor e diretor do Centro Cultural da Vila Itoupava, onde aplicou projetos educacionais de música, dança e teatro em um espaço museológico. Em 2014, foi reconhecido, pela Academia Catarinense de Letras e Artes, como Personalidade Musical do Ano, no estado de Santa Catarina. Hoje, além da atividade empresarial, atua como guitarrista do grupo Vila Bossa Jazz, é barítono no coro de câmara Vocal Consort Blumenauensis e se dedica à pesquisa e à performance bem orientada dos períodos barroco e clássico ao violão, fundindo os resultados nas execuções de jazz.

Maiores informações no instagram: @clubedojazzsc

 

› FONTE: Floripa News (www.floripanews.com.br)

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