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Praia Mole

Publicado em 11/09/2020 Editoria: Crônicas Comente!


  Praia Mole

 

 É fácil chegar lá: basta dobrar à esquerda e não à direita, no final da Lagoa, quando vai para a Joaquina. O caminho não é muito bom[1], mas dá pra chegar à praia de carro, tranquilamente. Não é longe e, além do mais, há ônibus: é o mesmo que vai para a Barra da Lagoa.

Aliás, acho que as autoridades estão guardando aquela beleza de praia, pois na indicação das placas de direção não consta o seu nome. Mas se você quiser chegar até lá, siga a informação que lhe dei e, logo que avistar o mar, procure uma estradinha que o leve até perto da praia e estará em plena Praia Mole. Não há ponto de referência porque não há casas construídas. Apenas cá em cima, na margem oposta à da praia, a casa do Menezes, que olha as belezas de longe, tranquilamente, à fresca da varanda.

Leve barraca ou guarda-sol, porque quase não há sombra. Só no canto esquerdo, junto a um rochedo enorme, há sombra até por volta do meio-dia. E é justamente nesse canto da praia que você pode pescar do alto das pedras ou tirar mariscos, se a maré estiver bem baixa. Se você prefere lazer, apenas, leve as crianças ou sua amada ou seu amado e tome banho de mar e de sol, ao mesmo tempo, na piscininha natural que fica próxima àquele rochedo umbroso[2]. Ali você se senta, com 15 a 30 cm de profundidade quando a onda volta, e terá mais ou menos 70 cm de água quando a onda vem, beijar seu corpo, convidá-lo a se deliciar com o seu marulhar travesso, naquele vem e volta, como se brincasse de pique-esconde com os banhistas.

  Enquanto você brinca com as ondinhas inofensivas da represa, ondonas violentas explodem contra as pedras redondas do meio do mar, logo adiante, borrifando espuma branca e festiva para todos os lados, como num brinde gigantesco e ruidoso, com borbulhas lépidas e fervilhantes a se esparramarem pelas bordas da taça de granito.

Longe, bem longe, no meio do mar de um verde novinho em folha[3], um bando de jovens surfistas exercita o ritual de doma de ondas bravias. Lançam-se em busca das cavalgáveis, atentos, deitados na prancha, olhando para o infinito do oceano. Apanham uma e lá se vão cavalgando inseguros, até serem jogados à superfície, num corcovo mais traiçoeiro. Outros surfistas, de tão hábeis, pegam a onda que querem e até onde querem. Normalmente são os mais exigentes e, se o surfar é muito tranquilo, abandonam a onda no meio do caminho e voltam ao fundo, em busca de emoções mais fortes.

  Tudo isso e muito mais, numa praia selvagem, completamente despovoada, brancura e verdura a perder de vista. Na Praia Mole você se sente dono de toda a natureza, infinitamente pura, sem latas de cerveja, sem sabugos de milho, sem papéis de sanduíche nem palitos de picolé.

 E pensar que eu pretendia escrever hoje sobre a inutilidade do faquirismo e de outras besteiras! Foi melhor assim: a praia de domingo me inspirou a fazer coisa muito mais agradável e produtiva. Que completo com um pensamento de Homero Homem: “O mundo não está tão cheio de aflição que não caiba nele amor”.

 

  Lia Leal (1980)

 


[1] O asfaltamento do acesso à Barra começaria dois anos depois. Passei de moto quando estavam preparando o leito, em setembro de 1982, cheio de barro vermelho e pedregulhos. A partir dali não pilotei a moto, passei o comando para meu irmão Ubiratan. Fomos pelo Rio Vermelho, caminho tranquilo, almoçamos no Restaurante Dois Irmãos e voltamos para o centro via Lagoa. Quando me deparei com aquele morro imenso de barro vermelho, com valas feitas pelas rodas dos carros que engoliam a rodinha da Honda CG 125, declinei do comando e fui na garupa.

[2] Que produz sombra.

[3] Vinicius de Moraes, Itapoã.

 

› FONTE: Floripa News (www.floripanews.com.br)

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